"Quem é, de fato, o presbítero, senão um homem convertido e renovado pelo Espírito, que vive da relação pessoal com Cristo, fazendo constantemente próprios os critérios evangélicos?"
Diante dos graves problemas que atingem a sociedade de hoje, o sacerdote é provocado a dar vitalmente a sua resposta. Há pouco tempo, numa audiência geral na Praça de São Pedro, o papa falou sobre isso. Comentando as propostas do Ano Sacerdotal, Bento XVI questionou: "Quem é o presbítero, senão um homem de unidade e de verdade, consciente dos seus próprios limites e, ao mesmo tempo, da extraordinária grandeza da vocação recebida, a de ajudar a estender o Reino de Deus até os extremos confins da terra?"
Essas palavras do papa recordam-me um fato acontecido com um sacerdote. O trecho do Evangelho que ele deveria refletir com a comunidade na missa do domingo traçava a atitude que os anunciadores do Reino de Deus deveriam ter: "Não levar nada pelo caminho, nem pão, nem sacola, nem dinheiro, nem sandália, nem duas túnicas". Durante a semana o sacerdote foi visitar um jovem muito doente. Na ocasião, usou uma estola que tinha um valor emotivo muito grande para ele. No final da celebração, a mãe do jovem, num profundo gesto de fé e agradecimento pede para beijar a estola. Lembrando do "não levar nada para o caminho" o sacerdote entrega a estola a ela como lembrança daquele momento especial. Na reflexão do evangelho do domingo, ele contou esse fato suscitando uma maior vida de partilha em toda a comunidade.
Outra pergunta de Bento XVI na audiência geral reitera a ideia de que o sacerdote deve ser testemunho da Palavra vivida. Ele questiona: "Quem é, de fato, o presbítero, senão um homem convertido e renovado pelo Espíri-to, que vive da relação pessoal com Cristo, fazendo constantemente próprios os critérios evangélicos?"
A coerência entre vida e palavra é indispensável para o testemunho de todos os cristãos. Já no quinto século, São Jerônimo dizia que as ações não podem desmentir as palavras, "para que não suceda que, quando pregues na Igreja, alguém em sua intimidade comente: 'Por que, então, tu não ages assim?" E o santo comenta também que os ouvintes percebem a incoerência do mestre bem alimentado fazendo discursos sobre o jejum.
A Palavra de Deus adquire visibilidade e credibilidade no mundo de hoje, sobretudo, através da vida de quem a anuncia. Toda a Igreja tem se empenhado nos últimos anos para aprofundar essa relação entre o anúncio e a vivência do Evangelho. O tema do último Sínodo dos Bispos, reunido em Roma no ano passado foi, justamente, "A Palavra de Deus na vida e na missão da Igreja". E esse será também o assunto central da Assembleia da Con-ferência Nacional dos Bispos do Brasil em 2010. Esses dados fazem crer que o Espírito Santo impulsiona toda a Igreja a redescobrir a importância do testemunho da Palavra vivida e anunciada.
Nesse sentido, a comunidade torna-se ambiente de escuta da Palavra, de diálogo sobre o contexto cultural e de iniciativas que levam os cristãos a sonhar e a construir o mundo como Deus sonhou. A Palavra de Deus é reflexo de processos sociológicos, mas não está condicionada a eles. O seu foco é mostrar a força do amor de Deus manifesta-da em Jesus Cristo.
Deixar Deus falar ao mundo através da coerência com a Palavra continua sendo um desafio para o sacerdote hoje e para as comunidades.
Fonte: Revista Cidade Nova Set/2009 pág. 41
Ricardo Pinto é sacerdote, especialista em Teologia Moral e Espiritualidade
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