sábado, 24 de abril de 2010

Desafios ao ser cristão nos dias de hoje

Por Maria Aparecida de Cicco
Fonte: http://www.blogdateo.blogspot.com/


[este texto nasceu das anotações feitas na palestra proferida pelo monge beneditino Anselm Grün, no Mosteiro de São Bento, em São Paulo – SP - Brasil – em 12/04/2010]

Para ser cristão é preciso, antes de tudo, ser “humano”.

Para nos salvar Jesus assume a humanidade e a vive integralmente, mostrando que não se pode fazer a vontade de Deus na terra a não ser através da humanidade. Olhar para a humanidade de Jesus é olhar para o que Deus espera de nós, seres humanos.

Para compreender o sentido de ser “humano” é necessária a calma, a tranqüilidade para mergulhar no próprio interior e descobrir “quem somos”, sem qualquer sombra de julgamento. Pois assim como Deus estava em Jesus, assim também está em nós.

Quem procura Deus tem que procurar a si mesmo, à sua verdade.

Nos dias atuais, o ser humano é assombrado por três medos fundamentais:

Medo de ser determinado pelos outros:

– isto é, agir segundo a vontade de outras pessoas abrindo mão do seu livre arbítrio. Quando a Bíblia nos diz que Jesus foi obediente a Deus (Fl 2,8) não significa que agiu contra a própria vontade, mas que ouvindo a Deus que falava em seu íntimo aceitou e assumiu o projeto do Pai como seu próprio projeto e determinou-se a ser fiel a esse projeto, mesmo diante da morte tramada pelos que detinham o poder.

No mundo atual, onde impera o individualismo, muitos vêem a vontade de Deus como empecilho à liberdade individual. No entanto, Deus não está em nós para quebrar a nossa própria vontade, ao contrário Ele vem dar o sentido da nossa existência humana. A vontade de cada um tem diferentes dimensões, mas a base será sempre a manifestação da vontade de Deus, que também se manifesta nos anseios do povo e nos clamores da sociedade. Quando Jesus, no Horto das Oliveiras, pede ao Pai que afaste o cálice do sofrimento (Mt 26,39), no mesmo instante Ele reafirma a sua base ao pedir que se faça a vontade de Deus. Jesus sabe que o Pai não deseja seu sofrimento, mas apenas a fidelidade ao seu projeto de amor. O sofrimento pelo qual Jesus passará é fruto da maldade do homem e não da vontade de Deus. Assim, a obediência evangélica é aquela que nos leva a agir sendo fiéis a Deus, ao que somos e aos valores humanos.

Medo da fome:

– de não ter o necessário para sobreviver. “Olhai as aves do céu: não semeiam nem ceifam, nem recolhem nos celeiros e vosso Pai celeste as alimenta. Não valeis vós muito mais que elas?” (Mt 6,26). Ser pobre é não ter nada, não pensar nada e não querer nada. Não ter nada não significa não possuir bens, mas também não querer possuir Deus. A pobreza evangélica é aquela que nos leva a não considerar os bens como propriedade exclusiva, e mais ainda não considerar Deus como nossa propriedade.

A riqueza não é ruim em si, mas tem a capacidade de reforçar em nós o apego e a induzir as pessoas a usar máscaras, o que provoca o vazio interior. Quem não consegue renunciar às coisas, jamais conseguirá fortalecer o próprio “EU”. Somos chamados a viver a generosidade da partilha total, conscientes de que o que possuímos é temporário e jamais deverá ser estocado, mas deve servir para o bem de todos; “Não se pode servir a Deus e ao dinheiro” (Lc 16,13).

Medo da solidão:

– de não ser amado, ser abandonado. Empreendemos uma busca desesperada de agradar os outros passando por cima dos nossos próprios valores e anseios esperando com isso a atenção desses. Com isso perdemos a própria identidade. “Amai ao próximo como a ti mesmo” (Mt 19,19) – aqui Jesus deixa claro que só podemos amar aos outros se nos amarmos primeiro, e quem se ama se respeita e procura se conhecer. Assim, devemos descobrir quem somos no mais profundo do nosso íntimo e nos amarmos. E quando isso acontece, nos encontramos com Deus que nos ama do modo mais profundo e descobrimos que jamais estaremos sozinhos. A partir daí, construiremos a base da nossa vida no próprio Deus. A castidade evangélica é fruto de uma vida construída sobre alicerces de integração da sexualidade e não da sua negação, identificando para onde ela nos leva.

Encontramos na Bíblia belíssimos relatos impregnados de sexualidade que nos falam do amor de Deus pela humanidade, o “Cântico dos Cânticos” é um exemplo disso.

Para desenvolver a integração da sexualidade é necessário:

• Desenvolver uma cultura de vida saudável. Hoje há um movimento de destruição da vida, é preciso cultivar a vida saudável, a própria casa e o próprio ser como lugar onde se habita com paz e bem estar.

• Cultivar a amizade sincera, deixando que as pessoas cheguem ao coração, deixando-se cativar.

• Cultivar a criatividade, usando-a como meio de expressão pessoal e até mesmo da própria sexualidade.

• Cultivar a espiritualidade mística, que tem a ver com experimentar Deus, com silêncio e meditação. A espiritualidade mística não leva a perder o contato com a realidade, nem a ficar girando em torno de si mesmo na busca pelo próprio bem estar e a própria salvação, mas induz ao questionamento pessoal do que pensamos, sentimos e fazemos na busca da comunhão e do bem comum.

Cada pessoa tem o desejo de amar e ser amado que leva à experiência de sentir-se pleno ou vazio, acolhido ou rejeitado. É essa experiência que nos leva a compreender que permanecer no amor é permanecer em Deus.

Desafios são vencidos quando se vive o Batismo

O batismo nos confere o ser rei, sacerdote e profeta; e cada um desses selos tem um significado próprio que nos identifica com Jesus.

• Ser rei ou rainha é ter a capacidade de viver por si mesmo, sem se deixar levar pelos outros, é ser soberano de si mesmo e da própria dignidade.

• Ser sacerdote é ser guardião do sagrado, é guardar em si o espaço sagrado interior. Jesus afirmou que o Reino de Deus está em nós (cf. Lc 17, 20-24). O sagrado está livre do mundo e dá liberdade para que possamos estar no mundo sem nos deixarmos prender por ele ou por seus julgamentos. O espaço sagrado é o espaço da autenticidade, da originalidade; é o lugar da entrega, onde não há espaço para o sentimento de culpa.

• Ser profeta é dizer algo de Deus a partir da própria experiência que se tem dele e da sua presença em nossa vida. É ter sensibilidade para falar sobre coisas que ferem o ser humano e clamam contra Deus.

O desejo de controle absoluto, de si e do outro, nos coloca na contramão da caminhada cristã e impede as pessoas de serem “humanas”; quanto mais nos entregamos ao amor de Deus e nos deixamos guiar e transformar por esse amor, mais nos aproximamos da humanidade perfeita, perfeição a que Jesus nos chamou (Mt 5,48).

sábado, 17 de abril de 2010

Anselm Grün no Brasil


Pois é, pessoal.

A convite de uma amiga minha, tive a graça e a oportunidade de estar em uma palestra do renomado mestre e teólogo em espiritualidade Anselm Grün nesta última segunda feira.

O evento ocorreu na Paróquia de São Judas Tadeu, em São Paulo (perto do metrô São Judas), e o auditório estava lotado.

O referido teólogo, que é monge alemão, logo que entrou percorreu toda a nave da paróquia, cumprimentando o maior número possível de pessoas. Após, proferiu uma palestra sob o tema "Espiritualidade Contemporânea" e depois de um rápido intervalo, resondeu à várias perguntas (tudo, traduzido do alemão para o português).

Vou postar um resumo da palestra (resumo mesmo - paróquias muito grandes costumam dar eco, e as vezes, não dava para entender o tradutor). Vai no estilo "anotador biônico...rsrsr).

Grun começou falando sobre o significado do termo espiritualidade, sustentando, a grosso modo, que a espiritualidade é viver conforme o Espírito de Deus. Que é um desvio muito grande na espiritualidade a idéia de perfeição absoluta e ausência de erros. Explicou que o Espírito, em nós, é uma fonte inesgotável de vida, que tem pelo menos cinco características: esta fonte refresca; é saudável; fortifica; é fértil e purifica. Explicou, com rápidas palavras, cada uma destas características.

Após, também falou das virtudes espirituais como fontes de espiritualidade, notadamente as chamadas virtudes teologais (fé, esperança e amor).

A fé, entre outras definições, é saber-se carregado por Deus. Que tudo o quanto precismos decidir deve ser colocado com fé diante de Deus. É uma confiança de que sou abençoado e de que sou também uma benção. Viver pela fé também me ensina a ter fé nas pessoas, esperando delas o que de melhor podem dar para Deus e para o próximo. Ver em cada pessoa a imagem do Deus vivo. Citou um teólogo judeu que diz que não há linguagem sem fé, nem fé sem linguagem. A linguagem da fé é uma linguagem que aquece o coração de quem fala e de quem ouve.

Uma imagem muito viva do que ele disse é que na relação de confiança é como se construíssemos uma casa em que o outro pode se sentir a vontade e se abrir. A relação como um lugar de conforto, de transparência. A palavra permeada pela fé constrói uma casa.

A outra virtude teologal é a esperança (que é diferente de expectativa). Discorreu sobre a esperança em diversos aspectos da vida. Não ter esperança é o inferno (Dante). A esperança valoriza o nosso fazer; tudo o que faz sentido na vida deve ser feito com esperança.

A terceira virtude teologal, que é fonte de espiritualidade, é o amor, a caridade, que não é moralizante, mas sim uma fonte de vida, de confiança. Falou sobre o aspecto esvaziante e preenchedor do amor, que confia mesmo quando sabe que não dará certo. Que é um desafio nos tornarmos todo amor, assim como Deus é amor.

Depois, Grün falou sobre os caminhos concretos da espiritualidade, ou seja, os rituais.

Discorreu sobre o "acender de uma vela", sobre o criar um espaço sagrado que nos mantém retirados do poder do mundo.

Lembrou-nos de que sagrado também tem a ver com "sanar", com cura.

Também discorreu sobre o nosso "tempo sagrado", ou seja, o momento em que eu sou absolutamente senhor do meu tempo, não importa o quão pequeno ele possa ser. Um momento para eu afirmar, juntamente com Deus, que eu estou vivendo, e não simplesmente sendo vivido. Quem vive somente para preencher as expectativas alheias vive uma vida amarga.

Grün também falou dos rituais que nos ligam aos nossos antepassados, dando o exemplo de sua própria família que há mais de um século, no Natal, realiza os mesmos rituais. Que uma alma que perdeu suas raízes pode se tornar uma alma deprimida. Enfatizou que os rituais nos levam ao encontro.

Enfatizou a importãncia de rituais que abram as portas e que fechem as portas, tanto no início como no fim de ciclos, sejam eles diários, ou por maior período de tempo. A idéia é que eu esteja completamente presente no momento. Rituais simples de saída do trabalho, chegada no lar, etc.

Os rituais que transformam o mundo trazem Deus para dentro de nossa vida, e nossa vida leva Deus para as pessoas.

Também ensinou que a celebraçáo litúrgica tem uma dimensão um tanto quanto terapêutica.

Sobre a oração, falou desta como um sinal de relacionamento, que me põe em contato com Deus e me prepara para a relação com o meu próximo. Na oração, não sou deixado sozinho com meus problemas, com minhas crises, com minhas questões. Na oração, abro-me do jeito que eu sou. Há cura no momento de encontro com Deus.

A ascese, segundo o monge alemão, é o exercício da liberdade interior. Citando Freud, disse que, aquele que não renuncia a nada não saberá sentir o sabor das coisas.

Também falou sobre o ano litúrgico, de como ele pode se tornar um sistema terapêutico. No calendário litúrgico, entramos em contato com um ritmo. O advento, por exemplo, é o momento do desejo, da busca. O natal, é o momento litúrgico do nascimento de Deus na alma humana. Recomeça novamente a vida de Deus em nossas vidas. A Quaresma, que é o tempo da purificação, pratico o exercício da liberdade interior. A Páscoa, é o momento da vida plena, onde a vida floresce em nós.

Observou também que todos os sacramentos da igreja (no catolicismo, são sete) remetem o ser à uma maior qualidade de vida espiritual, visto que os tais acompanham os fiéis por toda a vida. Que na eucarístia, por exemplo, além de todas as outras figuras, celebramos a nossa própria transformação interior. Que no cálice, transformamos as nossas amarguras na vida de um doce amor. A morte e a ressurreição do Cristo opera uma transformação em nós onde não há dureza de coração que não possa mudar-nos, onde o errado recomeça, onde não há túmulo em que a vida não possa ressurgir, onde nossa vida é preenchida de esperança... E assim foi.

Foi, portanto, uma palestra em linguagem simples, em que ele expôs um pouco daquilo que com mais prufundidade trata em seus livros (vários títulos traduzidos no Brasil). Penso que cristãos de todas as denominações podem se beneficiar da leitura do referido monge. De modo geral, ele escreve em linguagem simples. Alguns o acham, as vezes, mais psicólogo do que um teólogo da igreja, e, de fato, talvez tal impressão seja verdadeira em alguns de seus escritos. Particularmente, já me beneficiei e continuo me beneficiando com a leitura de algumas de suas obras, entre elas "O céu começa em você", "Espiritualidade a partir de si mesmo", "As exigências do silêncio", entre outras.

No final da palestra, após um rápido intervalo, ele abriu para perguntas. Foi bem legal. Eu perguntei (meio que representando os, às vezes, chatos da teologia da libertação) se o caminho da espiritualidade proposto não poderia conduzir a um certo individualismo frente ás questões, aos problemas sociais. Não é pra me gabar não (já me gabando) ele deu bastante atenção a esta questão, e, resumindo, disse que de fato, há sempre tal risco, mas que uma espiritualidade que não me abra para o sofrimento alheio é uma espiritualidade narcisista e doente. Em uma pergunta anterior, sobre como ser espiritual em um contexto miserável, ele contou a história de um jovem que frente a tais questões se sentia tão angustiado que não mais conseguia orar, não conseguia expressar alegria, felicidade, e que portanto é de bom tom não se perder o contato com Deus, a fonte da vida, mas sem deixar de olhar para o sofrimento alheio (enfim, propôs um certo equilíbrio).

Foi isso.

Por Carlos Seino.
http://blogdoseino.blogspot.com/

sábado, 3 de abril de 2010

Porque buscais entre os mortos aquele que está vivo?

Porque buscais entre os mortos aquele que está vivo? Não está aqui, mas ressuscitou
 (Lc 24, 5-6)

Cristo Ressuscitou Aleluia!
Venceu a morte Aleluia!
E com Ele, renascemos para uma vida nova!

Votos de uma Santa Páscoa ,
cheia de Paz, Amor, Vida e Luz de Jesus Ressuscitado

O abandono da cruz


Na cruz, Deus disse ao mundo: "te amo"! Na cruz o mundo disse a Deus: "te odeio"!



Nossa distãncia, nosso desvio, nossa indiferença.

Implicou na ação de Deus, na atitude divina em nos buscar.

O auto-esvaziamento divino, em estar entre nós.

Em encarnar, em conosco andar.

Esteve entre nós, como luz no mundo.

Implantando o Reino, ensinando a paz.

Confrontando quando necessário, consolando boa parte do tempo.

Aproximando-se de mulheres, de publicanos, de samaritanos, de leprosos, de gentios...

Subvertendo os valores dos que se consideravam no topo da hierarquia religiosa e política do país.

Mas ainda assim, sem violência.

Somente o discurso profético.

O dar a outra face. O caminhar outra milha. O largar a capa.

A exortação.

Cuidai dos pobres.

Quando fazeres a um destes, a mim o fizestes.

A determinação.

Ensinem como eu ensinei.

Uma vida de milagres.

A graça... de graça recebestes, de graça dai...

Mas enfim.

Os seus não o entenderam.

Não o receberam.

Não obstante um ato que estava no coração de Deus desde antes dos tempos eternos.

A cruz.

Ainda assim ela ocorreu por livre deliberação humana.

Profundo e grandioso mistério.

Profunda soberania divina.

Profunda liberdade humana.

E ele foi, caminhou voluntariamente até a cruz.

Pois na cruz, expressou todo o amor divino pela humanidade.

Deus amou o mundo de tal maneira...

Na cruz, Deus disse ao mundo: "Te amo!"

Na cruz, o mundo disse à Deus: "Te odeio!"

E ali....

Deus abandona Deus....

A única coisa de que Jesus talvez temesse...

O abandono do Pai...

Mas ali, foi feito algo maior...

Algo por nós...

Foi ali que ele se fez maldição por nós...